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Como profissionais e organizações podem navegar em tempos de carreira liquida
Publicado em 11 de Fevereiro de 2023 Miguel Nisembaum- Master em Liderança Positiva e Estratégia

Este começo de 2023 com escândalos empresariais, economia em recessão e layoffs em massa só contribui para aumentar nossa ansiedade e nublar nossa visão sobre possíveis caminhos de carreira. 
Na verdade, essa visão nublada acaba afetando a tomada de decisão sobre carreiras tanto a nível empresa como individual.
De um lado temos as organizações reconhecendo um grande gap de habilidades, 87% das empresas reconhecem esse gap em pesquisa feita pela Mckinsey recentemente.  E de outro lado colaboradores não satisfeitos com os investimentos das companhias em seu desenvolvimento, 66% de acordo com pesquisa realizada pela Delloite.


Esse desencontro faz com deixemos de desenvolver o real potencial das pessoas e como organização deixar de incorporar habilidades para encarar os desafios futuros.
Convergência no que as diferentes gerações estão buscando em suas carreiras:
Ainda que cada geração se manifeste de maneira diferente nas organizações, existem mais pontos em comum quanto as expectativas de carreira do que imaginamos. 
Uma pesquisa feita pela plataforma LiveCareer indicou convergência nas expectativas de carreira entre as gerações com destaque para: Flexibilidade no trabalho, Reconhecimento, Remuneração adequada, e oportunidades de desenvolvimento. 
Outro ponto é que mais de 71% dos possíveis candidatos não querem ser promovidos nas atuais circunstâncias de trabalho nas empresas.


É o que revela o 2022 Everywhere Workplace Report feito pela Ivanti envolvendo 4510 trabalhadores em 9 países ( Estados Unidos, Reino Unido, Australia, França, Espanha, Alemanha, Holanda, Bélgica e Suécia).
Um dos motivos que podem ser alegados é a preferência a ter flexibilidade e trabalhar de qualquer lugar, buscando um maior equilíbrio vida-trabalho.
Ainda há um aumento em considerar oportunidades de mudança em outras áreas ou indústrias, isso será cada vez mais frequente. 


Surgem dúvidas cada vez mais frequentes, será que a única maneira de crescer é verticalmente? Qual oportunidade faz mais sentido para mim? Existem oportunidades ou desafios inexplorados na organização atual?
Como cada vez menos empresas tem planos de carreira claramente definidos é importante que os profissionais tenham metodologias a disposição para abrir trilhas de carreira que nem sempre são evidentes.
Recado para os colaboradores: Pensem mais em como a empresa trabalha oportunidades de crescimento do que um plano de carreira.


De alguma forma fomos habituados a olhar a evolução de carreira exclusivamente de forma hierárquica. Então não é nada incomum os colaboradores perguntarem sobre “planos de carreira”.
O fato é que os “planos de carreira” tradicionais deixam de fazer sentido em um mundo tão dinâmico.  
 É preciso deixar claro que desenvolvimento e crescimento não equivalem necessariamente a promoção.
Pense mais nas capacidades que tem e nas que quer desenvolver, nos desafios que o mercado e a empresa passam e em quais faz sentido contribuir.


Conversas significativas ajudam a criar os caminhos ou trilhas de desenvolvimento de carreira:
Na essência de uma conversa eficaz sobre desenvolvimento está a capacidade de despertar nos colaboradores a energia e sabedoria que existe em cada um.
E mostrar a possibilidade de um caminho alternativo, ao invés de esperar que as propostas venham mais uma vez top down--, de fora para dentro, mobilizar as pessoas que querem a oportunidade de conhecer-se melhor, de ver onde querem colocar seus pontos fortes a funcionar e inclusive identificar novas áreas de atuação.
Quando os colaboradores são incentivados a desempenhar um papel ativo e oferecer seu melhor pensamento, eles se sentem mais capazes, experimentam maior propriedade de seu desenvolvimento e demonstram maior compromisso com a ação.


Quem se sente valorizado como ser humano e não apenas como trabalhador, respeitado e honrado, tem a confiança de se aventurar em algo novo, sabendo que tem os recursos internos e o apoio externo para ter sucesso. 
Nessa hora, é importante que o líder tenha os meios disponíveis para manter uma conversa que além de aberta e de confiança, tenha uma estrutura onde possam ser abordados temas como a contribuição que o liderado quer trazer, o que é mais significativo para ele no seu trabalho atual e possibilidades futuras, as capacidades que precisa incorporar para responder a novos desafios, as motivações e tudo isto acaba resumindo-se a como quer trabalhar de aqui para frente.  
Propondo um framework para gestão de carreira:
Para desenhar novos produtos, processos, gerenciar projetos, fazer sprints, definir personas, jornada do cliente, para todas essas coisas existe um framework de trabalho que nos ajuda a construção e gestão destas iniciativas no dia a dia da empresa.


Por que não criar algo semelhante nos processos de gestão de carreira? Algo que seja vivo, dinâmico e ao mesmo tempo permita estruturar os próximos de carreira colocando os colaboradores no centro.
Indo em busca da construção desse framework encontramos algumas metodologias que contribuem para alinhar o potencial das pessoas, seus interesses com os desafios estratégicos das empresas. 


O 1º Passo desenhar uma estratégia individual:
Normalmente quando falamos em desenho de estratégia, olhamos mais para fora do que para dentro. Já vi muitas discussões de carreira utilizando a tradicional matriz SWOT (pontos fortes, pontos fracos, oportunidade e ameaças em inglês).
A grande questão é que quando falamos de desenvolvimento individual o fato da metade da matriz ser em pontos negativos (ameaças e pontos fracos) faz com que ao invés de começarmos com entusiasmo um processo de mudança, iniciamos com energia baixa e com medo.
A Matriz SOAR é uma alternativa à Matriz SWOT e tem sua fundamentação na investigação apreciativa. Se refere a Strengths - Pontos Fortes, Opportunities - Oportunidades, Aspirations - Aspirações e Results- Resultados.
A Matriz SOAR ajuda em uma reflexão sobre o que nos torna únicos, onde queremos gerar valor e que oportunidades estão conectadas com nossa aspiração e pontos fortes. Acaba gerando energia para a ação e uma visão otimista realista de futuro.
A ideia é olhar para dentro e então olhar para fora e buscar oportunidades de trabalho e aprendizado mais alinhadas com nosso potencial e interesses.
O interessante é que nossa experiencia discutindo carreira com um viés mais otimista realista, colaboradores, líderes e RH conversam sobre possibilidades que antes não existiam, mas que respondem a desafios reais da organização.
Já vimos uma profissional de trade marketing discutir sua transição para uma área nova de e-commerce e o fato de incorporar uma perspectiva positiva a permitiu traçar seu plano de capacitação e preparar uma sucessora.


 
O 2º Passo é conhecer seus pontos fortes ou capacidades naturais:
A psicologia positiva define talentos como capacidades naturais da pessoa. Pensamentos, sentimentos, comportamentos frequentes que podem ser aplicados de forma produtiva.
O modelo de competências tão utilizado nas empresas tem uma base de fundamentação falsa, ela vem da ideia de que um colaborador precisa ter proficiência em uma série de competências para ser bem-sucedido.
A ideia de Líder ou colaborador perfeito que foi herdada da era industrial é uma falácia, essas pessoas não existem.
Muito mais efetivo é dar ferramentas para que:

As pessoas conheçam e desenvolvam seus pontos fortes,

Entendam a complementaridade entre as pessoas

Escolham incorporar competências técnicas alinhadas com seus interesses e potencial e necessidades da companhia. (nem todos precisam virar cientistas de dados)
Escolher funções, projetos e conhecimentos que permitam manifestar meus talentos é uma decisão que agiliza o aprendizado, e permite trabalhar o tão falado Lifelong Learning com mais consciência.


O 3º ponto é redesenhar seu trabalho através do Job Crafting
 O termo vem da soma de duas palavras e inglês JOB - Trabalho e CRAFTING - Artesanato aqui no Brasil a adaptação do termo mais próxima Redesenho do Trabalho foi citada por primeira vez em 2015 ( Chinelato, Ferreira e Valentini).
Job Crafting é tomar medidas e ações proativas para redesenhar o que fazemos no trabalho, essencialmente mudando tarefas, relacionamentos e percepções de nossos trabalhos.
A premissa principal é que podemos obter mais significado de nossos trabalhos simplesmente mudando o que fazemos e o impacto que isso tem tanto em resultados, como em aumento de engajamento e aproveitamento do potencial.
Por ter como um de suas bases o design thinking, é uma excelente solução para mostrar visualmente o contexto atual de carreira e as mudanças que queremos fazer no trabalho.


 
O redesenho normalmente é feito abordando 3 dimensões:
Tarefas – pensando onde quero concentrar tempo energia e atenção. Que atividades incorporar? quais deixar de fazer? quais delegar?
Relacionamentos – Pensando quem do meu círculo mais próximo pode me apoiar, ou com quem posso aprender, ou com quem conto para equilibrar melhor a carga de trabalho.
Percepção - O terceiro tipo de crafting, crafting cognitivo, é como as pessoas mudam sua
mentalidade sobre as tarefas que realizam (Tims & Bakker, 2010). Ao mudar as perspectivas sobre o que estamos fazendo, podemos encontrar ou criar mais significado sobre o que poderia ser visto como "trabalho rotineiro". Se você quer repensar a percepção que tem do trabalho pergunte-se: Onde posso gerar mais valor com meus pontos fortes? Que impacto quero gerar no mundo? Que novas capacidades quero desenvolver?
Uma das principais vantagens do job crafting é aumentar a motivação e o engajamento dos colaboradores. Quanto mais autonomia para moldar nosso trabalho, mais nos sentimos realizados e comprometidos com nossas equipes e organizações.


 
Para estabelecer um processo de redesenho saudável é importante encontrar um equilíbrio entre o quanto as pessoas e equipes tem autodeterminação (autonomia, competência e pertencimento) e quanto a empresa tem uma cultura mais adaptativa do ponto de vista estrutura. Resumindo, quanto mais as pessoas e equipes estiverem estimuladas a proporem mudanças, mais encararão com naturalidade as mudanças organizacionais que serão cada vez mais frequentes.


O 4º ponto é conectar com o coletivo e alinhar com a Estratégia da Organização:
Normalmente quando se fala de carreira ainda temos um olhar muito individual e vertical. O foco é a promoção, a função e o compliance e não o papel e a contribuição.
Discutir meu papel e contribuição permite entender como vamos jogar juntos equipe e empresa para evoluir.
O Team Crafting é uma metodologia que pode ser utilizada para esse olhar mais coletivo de construção de trilhas de carreira.
Team Crafting nada mais é do que o alinhamento e a combinação do que cada colaborador propõe em seu Job Crafting. É um processo pelo qual os líderes e suas equipes identificam as contribuições estratégicas que cada indivíduo e a equipe fazem para a organização. Existe um alinhamento entre as aspirações de empresa e capacidades da equipe. 
E os desafios e carga de trabalho são distribuídos combinando paixões, habilidades e aspirações de carreira.

O impacto nas trilhas de carreira:
Trilhas de carreira serão cada vez mais construídas coletivamente, buscando caminhos que sejam significativos para as pessoas, que permitam a manifestação do seu potencial e ao mesmo tempo respondam desafios existentes no mercado e nas empresas.
A percepção do que é uma carreira de sucesso é diferente para cada um, o perfil, estilo e momento de vida influenciam as decisões. Precisamos repensar carreiras da mesma forma em que estamos repensando os benefícios tradicionais para benefícios flexíveis.
Um modelo que equilibra bem aspectos individuais com coletivos ajuda a reduzir aquele natural processo de competição interna que tradicionalmente vemos quando falamos de evolução de carreira.
O que temos visto é que olhar o desenvolvimento de carreira com um olhar de complementariedade e colaboração vira a chave no comportamento dos colaboradores que começam a apoiar uns aos outros nos seus processos de mudança. 
De diretor contábil a palestrante/ influencer em seu tema técnico:
Um exemplo muito interessante que vimos é de um diretor de uma área técnica contábil que queria adicionar a sua carreira um papel de palestrante referencia em seu tema, o que a principio não tem nenhuma relação como seu papel na organização. O fato dele sentir segurança psicológica para manifestar esse sonho abriu espaço para que o colega da área de marketing enxergasse a oportunidade de apoiá-lo na construção dessa imagem, entendendo que isso contribuía como algo atraente para ampliar e humanizar a presença da empresa.
Em uma discussão tradicional de carreira o tema estaria fora da pauta.


Oportunidades só existem fora da organização:
Este trabalho de conscientização e diálogo que um frame de carreira centrado nas pessoas oferece faz com que as pessoas escolham melhor os projetos e oportunidades que querem abraçar. Em empresas maiores esses projetos multidisciplinares estão desenhados com mais clareza. Nas 67 mil empresas de médio porte no Brasil este caminho de desenvolvimento pode estar menos claro. 
Em qualquer caso antes de tomar a decisão de ir buscar uma oportunidade fora ou de você como gestor considerar a saída de um colaborador é importante responder as seguintes perguntas.
Existem temas de interesse ou desafios que não foram explorados na empresa que estejam alinhados com o potencial e interesses da pessoa?
O ambiente tem abertura para considerar a mobilidade algo mais natural?
É um ambiente saudável e de segurança psicológica?
Como podemos gerar valor para o colaborador e para a empresa de formas diferentes?
Temos um exemplo muito interessante de um diretor técnico que entendia que havia atingido o teto de sua carreira naquela organização. A única alternativa a princípio seria sair da empresa, o fato é que ao redesenhar seu papel e contribuição sua interface com a presidência e com a área comercial mudou e isso implicou inclusive em revisão salariais e de bônus. 
Antes de pensar no LayOff:
Vendo os layoffs das bigtechs e de muitas startups, lembramos de um material sobre o impacto das demissões em massa na capacidade da empresa de gerar valor, inclusive pros acionistas.
O Dr. Kim Cameron da Michigan Business School estudou durante 10 anos o impacto das demissões em massa nas organizações e para ele ficou claro que empresas que passam por um downsizing tem:
Performance reduzida, produtividade e lucratividade reduzida, moral e confiança reduzida, A qualidade da comunicação interna cai.
Não adianta nada falar de segurança psicológica e saúde mental e demitir com um bloqueio de tela. Caso seja inevitável e de fato necessário desligar que se procure fazer da forma mais humana possível.
Sabemos o quanto é difícil desenvolver talentos para a área tech, como empresa, dou um recado ambíguo quando demito em massa e falo de escassez de talentos. Ainda que as demissões sejam nas áreas administrativas será que essas pessoas com o potencial que tem, não têm capacidade de gerar valor para a organização?
Ter metodologias que nos ajudem a discutir de maneira colaborativa e coletiva carreiras prepara as pessoas e empresas para encontrar alternativas antes de chegar ao LayOff e caso seja inevitável deixar as pessoas preparadas para suas próximas buscas.
As pessoas são os principais geradores de valor para organização, por que não gerar valor para elas quando falamos de carreira?
 Muito se fala da escassez de talentos e pouco se fala do desperdício de potencial humano nas organizações, basta ver a situação global onde 80%  dos colaboradores estão desengajados para entender que existe mais desperdício de talento do que falta de talentos.
Então quando falamos de criar frameworks mais centrados nas pessoas em termos de desenvolvimento de carreira estamos falando de potencializar o talento existente em cada pessoa e de gerar oportunidades que respondam as necessidades de evolução das pessoas e da organização. 
É necessário criar caminhos de convergência se quisermos criar carreiras e negócios sustentáveis que gerem valor para toda a cadeia.
 

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