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Resultados Imediatos e Entendimento Cultural - Quando a urgência por resultados mascara riscos culturais e de
Publicado em 03 de Julho de 2025 Marcelo Couto

A. Sampler foi contratado para liderar as operações de uma  importante empresa, com a missão de implementar uma estratégia de transformação e crescimento. Sua chegada foi vista inicialmente de forma positiva: um líder carismático e pragmático, com discurso centrado em inovação, eficiência e entrega de valor. Com o tempo, no entanto, sua verdadeira agenda revelou-se focada em reorganizações, redução de custos e entrega rápida de resultados. Os cortes foram implementados, as margens melhoraram e os ganhos operacionais passaram a figurar com destaque nos relatórios gerenciais. Mas a estratégia real de crescimento de forma sustentável não apareceu de fato. Além disso, focado em sua agenda de atingir resultados operacionais, Sampler aplicava a mesma abordagem, linguagem e lógica de gestão em todos os países sob sua responsabilidade, desconsiderando as diferenças culturais, operacionais e sociais. O resultado foi uma série de ruídos de comunicação, decisões equivocadas na gestão de pessoas e crescente desconexão entre as equipes locais e a liderança regional. Em uma das localidades, a perda de confiança foi tão profunda que levou à reativação de movimentos  sindicais que havia sido superado há anos. Ao deixar a empresa, Sampler levou consigo os números de curto prazo, mas deixou uma organização que, apesar dos ganhos imediatos, passou a enfrentar desafios importantes relacionados à cultura, coesão e confiança — com impactos que exigiriam esforços consistentes no médio e longo prazo.

Está Esse Tema na Agenda dos Executivos?

Casos como esse levantam uma questão crítica: o lado sombrio da liderança está, de fato, na pauta estratégica das organizações? Embora a produção acadêmica sobre o tema tenha se intensificado nas últimas duas décadas, sua tradução para o universo executivo ainda parece tímida e reativa.

Na prática, o que se observa é, por um lado, uma certa vulnerabilidade das organizações em relação ao tema, e, por outro, uma tolerância silenciosa a comportamentos tóxicos em nome do desempenho. Resultados são valorizados; a forma como são alcançados, nem sempre.

A Percepção da Liderança – O Que Revela a Pesquisa

Em meu estudo recente sobre liderança destrutiva, observamos que, embora a atenção e a percepção sobre o tema venham evoluindo, ainda existe resistência para que ele ganhe protagonismo na agenda da alta liderança. Algumas das barreiras mais recorrentes incluem:

- Validação pelo resultado – Líderes com performance elevada tendem a ser blindados, mesmo que adotem práticas nocivas à cultura e às pessoas.
- Déficit de indicadores de comportamento – Os impactos da liderança destrutiva são muitas vezes intangíveis e não aparecem nos dashboards tradicionais.
- Cultura de silêncio e medo – Em estruturas hierárquicas rígidas, é comum que liderados evitem relatar abusos, especialmente quando partem de lideranças sêniores.
- Distanciamento entre valores declarados e práticas reais – Embora o discurso sobre bem-estar e ética esteja presente em diversas empresas, nem sempre ele se traduz em mecanismos efetivos de responsabilização para líderes que violam esses princípios.

As Consequências de um Tema Fora da Agenda Estratégica

Ignorar o tema da liderança destrutiva pode gerar danos profundos e duradouros, mesmo em organizações que apresentam bons indicadores de performance. A literatura aponta consequências como:

  • Redução do engajamento e da produtividade;
  • Aumento do turnover e perda de talentos estratégicos;
  • Riscos reputacionais e exposição a litígios;
  • Clima de medo, resistência à inovação e enfraquecimento cultural.

O caso de Sampler ilustra como as organizações podem estar vulneráveis a esse tipo de liderança, especialmente quando não existem mecanismos estratégicos que monitorem seus efeitos sobre cultura, pessoas e legitimidade interna. A ausência de atenção a esses fatores contribuiu para o surgimento de tensões profundas e para o enfraquecimento da coesão organizacional, mesmo diante de indicadores operacionais positivos.

A Liderança Destrutiva Ainda É um Tema Marginal

Apesar de sua relevância, a liderança destrutiva ainda é tratada como exceção — e não como um fenômeno organizacional a ser mapeado, compreendido e enfrentado de forma sistêmica. Para mudar esse cenário, será necessário que executivos e conselhos reavaliem seus critérios de avaliação, promoção e retenção de líderes, incorporando dimensões comportamentais e culturais às suas decisões estratégicas.

Para Refletir

- Sua organização mede a forma como os resultados são alcançados?
- A cultura interna permite que sinais de liderança destrutiva sejam percebidos e tratados?
- O tema está, de fato, na pauta de conselhos, comitês de pessoas e planejamento de sucessão?

Nos próximos artigos desta série, vamos explorar:
- O papel dos liderados na perpetuação (ou ruptura) da liderança destrutiva;
- Caminhos estratégicos para superar a má liderança nas organizações.


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