Artigo
Jeito feminino de liderar
Publicado em 30 de Março de 2023 Carine Andrade

Sensibilidade ou Firmeza? Que tal os dois?

Outro dia me perguntaram em que momento da minha carreira se eu me senti verdadeiramente líder.

Não precisei pensar muito para reviver o momento em que me deparei com a reponsabilidade e o peso do crachá de gestora que carregava no peito e respondi:

– No dia em que todos os meus colaboradores pediram as contas no mesmo momento.

A vontade de fazer dar certo a todo custo, a imaturidade dos meus 23 anos, da primeira oportunidade de liderar e a referência dos meus antigos gestores, me fizeram acreditar que adotar uma postura completamente masculina, dura e abafar o meu jeito feminino de fazer negócios seria a forma mais próspera de ascender minha carreira como líder. Literalmente, junto com minha função na carteira de trabalho, troquei também a sensibilidade por frieza e enrijeci.

O fato de ser mais jovem e menos experiente do que a minha equipe me deixava muito insegura, então não deixava as pessoas se aproximarem, acreditava que se eu estendesse a mão elas tomariam meu braço. A forma de mostrar quem estava no comando foi me tornando inflexível, intocável e focada somente nas tarefas de rotina. Apagava incêndios o dia todo, não me permitia ouvir e não tinha tempo para refletir e planejar.

Tudo ia bem, as metas estavam dentro do esperado e em uma manhã que prometia ser só mais um dia de trabalho, fui surpreendida por um pedido de demissão em massa e quando o ponteiro do relógio marcou 8:30, pela primeira vez, as portas da minha empresa não abriram.

Naquele exato momento aprendi que os 3Ps da gestão na verdade são um só: PESSOAS! Sem pessoas não há processos e os produtos não fazem a menor diferença. Aprendi também que o maior erro que uma mulher, em cargo de liderança, pode fazer é deixar de ser autêntica e congruente consigo mesma, negando os diferenciais que a energia feminina traz na hora de liderar e engajar pessoas.

Alguns anos se passaram desde aquele trágico dia e volta e meia ainda me deparo com mulheres que perderam sua autenticidade e optaram por adotar comportamentos totalmente masculinos para crescer profissionalmente, trocaram a sensibilidade por frieza para parecer mais fortes, seguras e semelhantes aos seus gestores. Muitas delas trocaram suas famílias por carreiras brilhantes, por mais uma especialização, acreditando que isso anularia o “telhado de vidro” ou “barreira invisível” que infelizmente ainda existe em muitas organizações quando o assunto é Liderança Feminina.

Falo disso com propriedade, pois já fiz essas trocas e perdi as contas de quantas vezes “bati no telhado de vidro” até entender que, de fato, ele existia.

A dedicação e o interesse no sucesso profissional faz com que as mulheres busquem mais qualificação. Mais preparadas elas vêm se despontando nos cargos de liderança, e diante de um cenário pandêmico, desconhecido e imprevisível, nos deparamos com vários estudos que apontaram que as empresas que melhor se adaptaram às inúmeras formas de crises enfrentadas nos últimos tempos foram aquelas que tinham mulheres em cargos de liderança. Elas demostraram ter conhecimento, mas principalmente demostraram que através de seus valores e da forma de gerir suas vidas, carreiras e negócios, conseguem criar ambientes saudáveis e favoráveis à geração de resultados.

Em uma visita ao Brasil, Raj Sisodia, Fundador do movimento Capitalismo Consciente, que incentiva as empresas a se pautarem por um propósito e não somente pelo lucro, diz em entrevista que: “Os líderes precisam ser mais femininos”, enaltecendo os comportamentos e características do jeito feminino de atuar no mundo corporativo.

Mas, o que seria esse jeito feminino de fazer negócios? 

Características e diferenciais do jeito feminino de gerir a vida e negócios

 Intuição feminina: mulheres têm esse sentido apurado, pois enxergam a ação de dentro. Sentem primeiro, agem depois. Trazendo isso para o mundo corporativo, significa mais equilíbrio na tomada de decisões como, por exemplo, nas contratações e demissões. É usar e abusar das ferramentas táticas para buscar mais assertividade, mas escutar o que vem de dentro, o feeling, o sexto sentido, para quando o óbvio se mostrar questionável.

Mulheres tendem a perceber com mais rapidez quando algo não está alinhado e usam a intuição para tomar o caminho mais justo a ser seguido. Elas entendem que nem tudo está escrito e enxergam além do que os olhos podem ver. Sabem que no mundo dos negócios, muitas vezes, o que sustenta a empresa é aquilo que ninguém vê, elas apreciam as flores (resultados) e não esquecem de regar as raízes (Cultura organizacional).

 Coletivo: no mundo corporativo muito se fala em diferenciais competitivos da organização. Quando há mulheres em cargos de liderança, além do diferencial competitivo, a empresa tende incorporar à sua cultura organizacional o diferencial colaborativo, uma vez que quando uma mulher é promovida ela não vai sozinha, ela gera, através do seu reconhecimento, oportunidade e visibilidade para outras mulheres, gerando assim senso de pertencimento e engajamento entre as partes envolvidas.

O diferencial aqui está na forma de gerenciar tarefas. Com o foco na produtividade, homens tendem a dividir tarefas para somar, já a mulher, pensando na união como meio para melhores resultados, soma para dividir, beneficiando um maior número de pessoas.

 Ordem no caos: sabemos que uma das práticas mais adotadas pela organização, tanto para questões relacionadas à criatividade como para solução de problemas e planejamento é o brainstorming, que é quando deixamos vir à tona o melhor das pessoas, gerando um verdadeiro “caos de ideias” que depois é colocado em ordem pela condução de um líder. Quem melhor do que uma mulher para colocar a casa em ordem? Na empresa não é diferente. Mulheres lidam muito bem com diferentes pontos de vista, ideias e mudanças, e conseguem colocar tudo nos seus devidos lugares trazendo significado ao caos, facilitando o diálogo e a comunicação. Quando você cria uma visão significativa compartilhada, toca o outro ao ponto de ele querer fazer parte e então temos times mais engajados.

 Beber de várias fontes:

já dizia Juliano Kimura, autor do livro: O Livro secreto das redes sociais – “Vou beber de muitas fontes diferentes pois só quem conhece os sabores da vida saberá o que é bom ou ruim.” Para alguns pode parecer falta de foco, mas para as mulheres é a constante busca pelo novo e desconhecido. Mulheres tendem a buscar conhecimento e respostas em diversas culturas, costumes, metodologias, elementos. Se permitem ir das exatas às humanas em busca de uma resposta própria e única, o que faz com que elas tenham os olhos voltados sempre para o novo, para a inovação. A criatividade aguçada somada às diferentes formas de informação, faz com que elas tenham facilidade em se reinventar e olhar para o mesmo cenário com diferentes pontos de vista, tendo assim mais facilidade de gerir a diversidade de gênero, idades e culturas dentro das organizações.

 Legado: como você quer ser lembrado? Se você é líder provavelmente já se fez essa pergunta. Certa vez um diretor me disse: “Aqui sabemos se o líder é bom quando ele tira férias.” Ele me fez entender que legado é simplesmente a permanência da sua presença diante da sua ausência. Deixar um legado é algo natural das mulheres – quando se pergunta a uma pessoa quem é a referência que a inspira, na maioria das vezes, ela dirá sem pestanejar – minha Mãe.

Mulheres podem gerar vida, oportunidades, negócios, carreiras e legado através da sua própria existência.

Eu poderia citar neste artigo outras tantas características, mas não posso deixar de abordar que mesmo trazendo resultados positivos para as organizações o número de posições de liderança ocupado por mulheres é de apenas 38%, que milhares de mulheres lidam diariamente com o gap do gênero nas suas carreiras, e a instabilidade no cenário econômico faz com o preconceito contra lideranças femininas no mercado de trabalho aumente.

Trilhamos, a passo lento, em direção a semanários mais inclusivos e que diz muito respeito ao quanto as empresas estão sendo pressionadas e contribuindo, porém, ouso fazer minhas as palavras de um dos maiores líderes dos nossos tempos, Mahatma Gandhi, que diz: “Seja a mudança que você quer para o mundo”, e iniciemos essa mudança internamente, não mais boicotando ou escondendo nossos talentos, não mais abafando nossa intuição e nosso jeito feminino de liderar e fazer negócios.

Não deixe que o medo de não saber todas as respostas te impeça de se candidatar a uma oportunidade de promoção. Olhe para si mesma e busque as respostas para o medo de se autopromover. Mulheres costumam se boicotar de 3 formas:

– Pelas palavras, se depreciando sem sequer perceber, tendo dificuldades de aceitar um elogio quando são reconhecidas pelo seu potencial.

– Pela ação ou inação, que é quando você sabe que é capaz, executa mesmo não sendo remunerada por isso, mas não consegue ter atitudes para ir buscar aquilo que de fato já é seu, como por exemplo uma promoção, um cargo de liderança.

– Pelo pensamento. Aqui quero citar uma frase do meu mentor, Alexandre Prates, que explica exatamente o que se passa na mente de quem se boicota por pensamentos: “Tem pessoas que se não fossem elas mesmas seriam muito bem-sucedidas.”

Se permita escutar o que vem de dentro, entenda o que te bloqueia e seja vulnerável, líderes próximas e humanas criam laços e faz com que as pessoas não tenham medo, e sim admiração por elas.

Se você já exerce um cargo de liderança, se apodere do que te pertence e viva intensamente sua liderança, com significado e sem medo de errar, e se errar, assim como eu lá no passado, seja ágil na busca de informações para tomar novas decisões e corajosa para arcar com as consequências. Não fique revivendo as más escolhas, fracassar é apenas um evento, foque no que vem pela frente. Pense que, só erra quem está no jogo. Blinde sua autoconfiança lembrando que, com base na sua trajetória você tem tudo o que precisa para seguir em frente sem a aprovação do outro.

Siga em frente tendo a consciência de que quando uma mulher brilha, ela ilumina o caminho de várias outras.

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